Destaques

quadros comentados

 

“Um abraço do Universo a mim e ao Diego”, “Saudade”

“Um abraço do Universo a mim e ao Diego”, “Saudade”

“Um abraço do Universo a mim e ao Diego” (1949) (Frida Khalo, 1907-1954), “Saudade” (1899) (Almeida Júnior, 1850-1899)

Citação em destaque

O(s) autor(es) o livro intitulado “QuimioRadiolândia: Viagem sem regresso a uma fortaleza chamada oncologia”, aí escalpelizam toda problemática do relacionamento médico-doente na vertente de utilizadores dos serviços de saúde. A Ana Paula Mendes (por grande coincidência, o mesmo nome da minha esposa e também minha colega de profissão) já não estava entre nós, quando enderecei o convite ao Rogério, seu companheiro, para escrever uma palavras sobre este tema, no intuito de dar voz ao outro lado desta parelha de intervenientes no processo clínico: o Doente. Sem este contributo, o sentido de qualquer reflexão sobre o tema seria inadmissivelmente amputado de uma visão fundamental sobre a temática, porque o ato médico, na vertente clínica, supõe uma relação entre duas pessoas, e, não, um simples monólogo de um qualquer médico, supostamente omnisciente. Esse livro, que só existe, por ora, em formato digital, é, pois, de leitura obrigatória, para quem gosta de refletir acerca destes assuntos.

Só a Ana Paula foi minha doente. O Rogério era o seu acompanhante. Desde o início que percecionei a cumplicidade de ambos. O sentir mútuo da dor, da angústia e da esperança do outro. Da doença que a tratei, eu só soube que ficou curada, depois de ter tomado conhecimento de que havia falecido, por causa da “outra”, dado ter notado que faltara à consulta onde lhe iria anunciar essa “pequena-grande” vitória. Dela. Do Rogério. Minha. Da ciência. Creio que a morte da Ana Paula terá sido, também, a morte de uma parte do Rogério. Respondi ao este, quando ele me enviou o livro em “pdf” através de “mail” e me perguntava, então, passados alguns meses, se ainda me lembrava da história da Ana Paula (e dele), que certamente que sim, porque, nós, os médicos, também fenecemos um pouco, quando nos morre um doente.

Amar é partilhar, solidariamente, as alegrias e as tristezas da vida. Diz-se. Acontece que creio profundamente no verdadeiro sentido desta frase, mau grado ela ser dita e repetida tantas vezes, como se não passasse de um qualquer convencionalismo vago de emoção, que se proclama só porque é hábito que o façamos em certas ocasiões “especiais”, ou porque fica mal aos olhos dos outros, não o fazer. Sou, como é bom de ver, da opinião firme que os sentimentos não podem ser espartilhados pelos estabelecidos cânones do social.

Para este casal, dedico o quadro, intitulado “O abraço do Universo a Diego e a mim” da autoria de Frida Khalo, porque simboliza, melhor do qualquer outro, aquilo que é ser um casal de namorados. Namorar, neste sentido, significa saber interiorizar, em complementaridade, uma parte do outro, como o Rogério e a Ana Paula fizeram. Na vida. Na doença. E na morte. Para o Rogério, o quadro do grande pintor brasileiro Almeida Júnior, discípulo do grande mestre francês, Gustave Courbet, intitulado “A saudade”, palavra tão portuguesa e que simbolizará, certamente, melhor do que qualquer outra, o nostálgico sentimento que o terá assaltado, quando decidiu aceitar o meu repto. Por isso, lhe peço desculpa… ou, talvez, nem por isso…

É que, como consta na sua biografia, este pintor teve uma morte trágica, não por doença, mas antes por ter desafiado o seu destino, ao não resistir às irreverências do amor. Como dizem os poetas, o amor sente-se, mas carece de explicação racional.

 

Outros quadros comentados: